sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Véia Debaixo da Cama e a Perna Cabeluda

Eu não posso está parado
que a poesia me chama
para distração do povo
vou descrever mais um drama
da perna preta cabeluda
que encontrou carrancuda
a véia debaixo da cama
A véia debaixo da cama
criava um diabo dum rato
um leão e um jumento
um porco, um bode e um gato
um cachorro que ladrava
e um macaco que chiava
nunca vi bicho tão chato
A zuada era medonha
pois o bode bodejava
o leão soltava esturros
e o jumento rinchava
na meia noite sombria
quando o cachorro latia
o porco também roncava
A véia dormia pouco
tratando da bicharada
porque debaixo da cama
a zuada era danada
então a véia dizia:
- Tanto bem que te queria
e vai se acabar tudo em nada
O povo chamava ela
a véia Zefa Beiçuda
apesar de ser coroa
inda era boazuda
e o pior aconteceu
quando um dia apareceu
a perna preta cabeluda
Pois a perna cabeluda
em São Lourenço apareceu
e o Jornal do Comércio
toda reportagem deu
à TV Globo anunciou
e todo rádio citou
como foi que aconteceu.
De São Lourenço a Tiuma
e de Peixinho a Olinda
ela tem feito desordens
porém quem não viu ainda
diz até que é mentira
porém a notícia gira
e não sei quando se finda
Outro dia em Paudalho
na hora que o trem vinha
a perna preta apareceu
mesmo com toda morrinha
a perna já afobada
deu uma grande pesada
que o trem saltou da linha
Correu atrás dum sujeito
que voltava dum forró
ele viu a perna preta
e correu de fazer dó
a perna cabeluda e feia
correu quase légua e meia
atrás, no seu mocotó
Marieta em Rio Doce
muito nome feio chama
com a perna cabeluda
e foi dormir com a ama
a meia-noite Marieta
avistou a perna preta
deitada na sua cama
Zé Soares no Recife
viu a perna cabeluda
em Água Fria e saiu
numa carreira raçuda
mas a perna disse assim:
- Meu filho, espere por mim
porque eu sou boazuda
Palito lá em Olinda
por ser um pouco descrente
disse que era mentira
em sonho viu calmamente
a perna lhe aparecer
e todo instante ele ver
a perna em sua frente
Zé de Souza em São Lourenço
saiu de manhã bem cedo
para apanhar o ônibus
debaixo dum arvoredo
a perna lhe apareceu
e Zé Souza correu
todo assustado com medo
João Vicente Emiliano
viu a perna na carreira
de Vitória a Gravatá
como quem vai pra pesqueira
um vaqueiro em Orobó
vendo uma perna só
mergulhou na capoeira
Dizem que em Limoeiro
a velha Maria Duda
vive toda arrepiada
que chega ficou beiçuda
ela contou a vizinha
que sonhou a noite todinha
com a perna cabeluda
Dizem que a perna é
da parte de satanás
e vive andando no mundo
para perturbar a paz
e do sujeito desordeiro
mentiroso, arruaceiro
ela vive sempre atrás
A perna cabeluda vive
todo instante e toda hora
atrás da moça que anda
com o umbigo de fora
pois a perna cabeluda
vendo uma moça peituda
nunca mais que ir embora
A perna cabeluda gosta
de sujeito cabeludo
e do cabra que fala fino
mulher galheira e xifrudo
Quem anda fora de hora
com a perna preta agora
vai desertar quase tudo
A véia debaixo da cama
chamada Zefa Beiçuda
criando a bicharada
feia, parecendo um "juda"
quando ela saiu fora
e encontrou-se na hora
com a perna cabeluda
Quando a véia viu a perna
quis correr não pode mais
a véia saiu na carreira
e a perna correu atrás
e quando a véia entrou
em casa, a perna chegou
pior do que satanás
A perna falou pra velha:
- Se apronte que é hora
de você pagar-me tudo
que fez por aí afora
disse a velha beiçuda:
- Nem de perna cabeluda
eu estou gostando agora
Disse a perna cabeluda
– Você vai quebrar no beco
a minha parada é dura
eu sou irmã de Pacheco
você correndo eu lhe pego
hoje aqui a volta é prego
e o ponche é nabo seco
A véia beiçuda disse:
- Em você não tenho fé
vou lhe mostrar quem eu sou
pra saber vece que é
e a perna cabeluda
partiu pra Zefa Beiçuda
dando coice e pontapé
A véia caiu no chão
e a perna se danou
dando pesada em tudo
todos os bichos soltou
o macaco fez carreira
danou-se na capoeira
nunca mais voltou
O cachorro pegou latir
e o burro pegou rinchar
enquanto o gato miava
o porco danou se a roncar
e véia Zefa Beiçuda
vendo a perna cabeluda
sua cama revirar
A cama virou com tudo
ficando os "cacos" no chão
e a perna cabeluda
deu um coice no leão
enquanto a véia chamava
a cobra qu’ela criava
para entrar em ação
A cobra mordeu o porco
ela saltou muito além
a cobra estava com raiva
mordeu a véia também
a véia Zefa Beiçuda
viu a perna cabeluda
correndo igualmente o trem
A véia Zefa Beiçuda
morreu debaixo da cama
e a perna cabeluda
aonde alguém não lhe chama
chega sem ser esperada
já foi vista na estrada
perto de Tuparetama
E o cabra que for chifrudo
cuidado, muito cuidado
a perna cabeluda gosta
do cabra que é veado
pra lhe dar um contra-tempo
e lhe servir de exemplo
do que é bom está guardado
E o ditado que diz
leve a trouxa pra lavar
de olho na boutique dela
e quem quiser palestrar
namorando o filho da véia
brincando bilu tetéia
vai ver a perna chegar
A maior parte do povo
tudo que deseja faz
vive fazendo do mundo
os gostos de satanás
hoje só há perdição
ódio, inveja e perdição
o mundo não presta mais
Deus Eterno e Poderoso
daí-me vossa proteção
para ver se o povo sai
da vala de perdição
daqui para o fim da era
nada de bom se espera
por causa da corrução
Vamos pedir proteção
a Nossa Senhora das Dores
e a Jesus Nazareno
que é Pastor dos pastores
estamos no fim do mundo
só Deus pode num segundo
defender os pecadores
Com esta santa oração
O satanás afastamos
Sem ter nenhum medo vamos
Todos entrar em ação
A virgem da Conceição
Lhe pedir com viva fé
E na matriz do Canindé
Implorar a São Francisoco
Ter confiança sem risco
Em Jesus, Maria e José.
FIM

CRÔNICA: CARRO DE BOI, TREM DA VIDA


CARRO DE BOI, TREM DA VIDA
Por: Carlos Pitty *Direitos Reservados

Outro dia, recebi um email muito especial que falava que nossa vida se resume a um trem. Como na vida, vivemos dia a dia, meses, anos, conhecemos pessoas, lugares e situações. Viajamos de vagões em vagões, ora em vagão simples, ora em vagão de luxo, mas sempre à frente, tendo algum rumo e grandes surpresas. Acabamos fazendo parte de muitas coisas, muitas vidas, aprendendo e por fim, temos lá na frente a única certeza: nossa parada. Assim é o trem, assim é a nossa vida. Como sempre falo do sertanejo, suas raízes, sua cultura, seus lugares e sua música, quero então comparar o trem da vida ao carro de boi. No carro de boi, que para muitos e em alguns lugares como na minha região de nascimento por exemplo, no interior do Paraná, chamam de “Carroça”, ou seja; independente do nome dado à esse veiculo puxado pelos bois, é possível escrever poesias, poemas e músicas, detalhando sempre os lugares, as pessoas e o som por ele produzido. “Lá vai o carro de boi, berrando, carga e boiada e guiando vai o peão, fazendo fumaça de poeira na estrada.” Trecho da poesia “Carro de boi” (na íntegra no blog www.carlospitty.blogspot.com), que cita a vida do sertanejo no campo. Na vida do campo apreciam-se as belezas, a mata queimada, o verde ainda restante, as taperas, o plantio, as colheitas, a natureza bela com seus pássaros que cantam e até mesmo os romances e os amores que se rimam em paixões e sertões. E pelo carro de boi, se viaja na imaginação do caipira, que até tem tempo, mesmo com a exigente lida braçal, para compor maravilhosas letras e melodias que passam pelo tempo jamais esquecidas. Oh que saudades de minha terra e da cabocla amada. O tempo vai passando, o trem segue o rumo e o carro de boi nos faz viajar sentindo saudades, apreciando as belezas atuais, os novos horizontes, os novos caipiras, que muitos chamam de sertanejos modernos e poetas com canções inesquecíveis ou ainda com letras poéticas apenas comerciais e impossíveis de serem lembradas mais tarde. Enfim, na carona com o carro de boi, viajamos apreciando a natureza bela com lindas poesias, como também a mata queimada resumida em canções que conhecemos, mas não lembraremos já na próxima parada. Como é bom viajar no tempo, viajar no carro de boi. Pela estrada da vida e do campo, vamos conhecendo novas belezas, sentindo tristezas, lembrando de temas caipiras inesquecíveis, convivendo com eco e o romantismo dos canarinhos atuais, e as vidas vividas nos rincões de meu Deus. Cabe a cada um apreciar o que tem de melhor em cada parada, em cada estrada, viajada pelo caipira que
segue no carro de boi...

A chegada da prostituta no céu


A CHEGADA DA PROSTITUTA NO CÉU (*)
Autor: J. Borges
(página 1)
Do rosto da poesia
eu tirei o santo véu
e pedi licença a ela
para tirar o chapéu
e escrever a chegada
da prostituta no céu
Sabemos que a prostituta
é também um ser humano
que por uma iludição
fraquesa ou desengano
o seu viver é volúvel
sempre abraça a o engano
Vive metida em orgia
e cheia de vaidade
é raro uma que trabalha
e usa honestidade
por isso fica odiada
perante a sociedade
(página 2)
Todas as religiões
pra ela escala uma pena
se o homem lhe abraça
a mulher casada condena
mas sabemos que Jesus
perdoou a Madalena
Falar sobre prostituta
é um caso muito sério
que é um ser sofredor
sua vida é de mistério
e para sobreviver
sempre usa o adultério
Perante a sociedade
ela é marginalizada
existe umas mais calmas
e outras mais depravadas
e quem tem mais ódio delas
é a própria mulher casada
Ela vive aqui na terra
enfrentando um sacrifício
se vende para os homens
muitas se entrega a o vício
enquanto nova se estraga
e faz da miséria ofício
(página 3)
Aconteceu que uma delas
morreu em um certo dia
e pela vida que levava
o povo sempre dizia
ela vai para o inferno
pêlos atos que fazia
Assim que foi enterrada
a alma se destinou
querendo ir ao céu
mas primeiro ela passou
pelo portão do inferno
e o diabo lhe acompanhou
Saiu correndo atrás dela
dizendo vem cá bichinha,
um bocado como tu
faz tempo que aqui não vinha
e eu estou gamadão
nesta garota novinha
Mas na carreira que iam
o diabo e a prostituta
passaram no purgatório
e no sindicato das puta
e lá no portão do céu
foi que começou a luta
(página 4)
Porque já se encontrava
uma mulher bem casada
arengando com o marido
que morreu de uma virada
e queria entrar no céu
com uma faca afiada
Essa mulher que morreu
era muito ciumenta
quando viu a prostituta
entortou o pau da venta
e disse: vou te furá
foi uma luta cinzenta
Furou a mulher na perna
o marido puxou no braço
o diabo pegou também
dizendo já sei que faço
vou levar mesmo sem perna
mas levo o melhor pedaço
Nessa zuada São Pedro
se apresentou no portão
e disse: não tem lugar
pra mulher com bestalhão
só tem pra mulher sozinha
e foi logo estirando a mão
(página 5)
E pegou logo no braço
da mulherzinha assanhada
disse: você pode entrar
aqui não lhe falta nada
vai dormir na minha cama
até alta madrugada
Mas atrás dela já vinha
outro cara de complô
e disse: eu entro também
pode dá o estupô
porque na terra eu era
dessa mulher gigolô
São Pedro lhe respondeu
mas aqui é diferente
sou o chaveiro do céu
e aqui neste batente
só entra quem eu quiser
que sou velho, mas sou quente
Disse: vocês lá na terra
fazem tudo quanto quer
maltrata as prostitutas
e usam como quiser
mas aqui eu trato bem
a todos que aqui vier
(página 6)
E entrou de braço dado
com a mulherzinha singela
com uma perna furada
mas São Pedro tratou dela
e deu apoio a prostituta
que ninguém bulia nela
E com três dias depois
São Pedro veio lá fora
o casal estava esperando
o diabo foi embora
e levou o gigolô
para fura-lo de espora
Depois disso a prostituta
foi fazendo o que bem quis
botou galha em São Pedro
namorou com São Luiz
tirou sarro com São Bento
no beco do chafariz
Uma noite de São João
dançou com São Expedito
levou xecho de São Brás
namorou com São Carlito
e no fim da festa foi
dormir com São Benedito
(página 7)
E não quis Santo Oscar
por ser barbudo demais
deixou ele na espera
e foi dormir com São Brás
Santo Oscar quando acordou
falou alto e bem voraz
Disse ele: hoje mesmo
antes de tomar café
eu vou contar a Jesus
essa puta como é
depois da sua chegada
o céu virou cabaré
Ele foi disse a Jesus
que ela era depravada
Jesus respondeu calmo
deixa essa pobre coitada
se na terra sofreu tanto
como vai ser castigada?
Na terra não teve apoio
em meio a sociedade
levou a vida sofrendo
e fazendo caridade
aceitando preto e branco
que tinha necessidade
(página 8)
Mesmo com as prostitutas
vive cheio de tarado
correndo atrás das moças
e mulher de homem casado
se não houvesse prostituta
qual seria o resultado?
Ele ficou cabisbaixo
e respondeu: muito bem
se o sol nasce pra todos
a mulher nasceu também
se um dia eu pegar ela
trituro e deixo um xerém
Aí ficou sem efeito
a denuncia de Santo Oscar
pediu perdão a Jesus
e voltou pra seu lugar
e encontrou São Mariano
num sarro de admirar
Aqui termino o livrinho
em favor da prostituta
para vender a os homens
o rapaz, o corno e puta
pessoas de baixo porte
e a os de boa conduta.

HISTÓRIA DO HOMEM DO PORCO

J. BORGES
Um matuto muito otário
que nunca aprendeu a ler
criou um casas de porco
dizendo ser pra comer
matou a porca e o porco
e foi pra feira vender.

        Chegou na feira cedinho
arranjou uma barraquinha
colocou a carne em cima
e gritou a carne é minha
um freguês pergunta o preço
da carne da bacurinha.

        Disse ele: a porca é da mulher
e o porco é todo meu
o preço do porco é o da porca
passou o dia e não vendeu
e já pela tardezinha
um comprador apareceu.

        O comprador lhe falou
a carne é do meu agrado
eu compro a porca e o porco
se o senhor vender fiado
o meu nome é Sou-Eu
o negócio está fechado.
        O matuto disse: está
você é um bom freguês
o homem disse: eu comprei
toda carne de uma vez
e garanto lhe pagar
daqui para o fim do mês.

        O pobre homem foi embora
sem a carne e sem dinheiro
em casa disse à mulher:
encontrei um companheiro
que comprou-me a carne toda
e paga no fim de janeiro>

        A mulher disse: tu és
um otário convencido
depois de tanto trabalho
dá o ouro ao bandido
mesmo assim eu quero o meu
para comprar um vestido.

        Quando passou mais de um ano
numa noite calma e fria
o matuto viajou
e passando uma travessia
na mata escura ele viu
gente que vinha ou que ia.

        E com medo gritou
de lá alguém respondeu
não tenhas medo colega
quem está aqui sou eu
o homem encostou e disse:
eu quero o dinheiro meu.

        Disse o homem: qual dinheiro
que o  senhor diz que quer
ele disse: do meu porco
e da porca da mulher
você agora me paga
dê o caso no que der.

        A quem eu vendi a carne
disse: que era sou eu
você respondeu agora
que esse é o nome seu
e por isso me pagas logo
a carne que tu comeu.

        O homem pagou a pulso
sem comer e sem beber
apertado no punhal
sem poder se defender
deu o dinheiro que tinha
pra se livrar de morre.